segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Monogamia e Menina Má


Recentemente, sentada no divã da minha querida terapeuta, me ocorreu questioná-la sobre qual o assunto de maior recorrência em todos esses anos de prática da psicanálise. A resposta veio certeira e cortante: A SOLIDÃO.  
As pessoas estão sozinhas, e a solidão não escolhe gênero, nem classe social, ou profissão, ou escolaridade. Não quer saber se você é linda e magra ou se está preocupadinha com os quilinhos a mais que enxerga no espelho e aquela calça 40 que não quer entrar, nem se você deitar na cama e murchar a barriga.

A Solidão das Massas - Claudia Rogge
Quando Mario Vargas Llosa escreveu “As Travessuras da Menina Má”, a meu ver, não falava a respeito do amor. A “Menina Má” do Mário é a tal da Solidão, que está aí e não está nem aí pra você.
Homens e mulheres andam cada vez mais sós, ainda que acompanhados. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer – ou se pegou dizendo – que apesar de ser bonitinha (o), inteligente e easygoing, não encontra ninguém pra chamar de seu? Ou que os relacionamentos se tornaram cada vez mais efêmeros e superficiais?
O problema é que o mundo se amarrou a paradigmas de outros tempos, que não se encaixam nos rumos que a humanidade tomou para si. A sociedade patriarcal caiu por terra: o conceito de família é cada vez mais diverso e maleável. O anticoncepcional, a beat generation e a minissaia se encarregaram de trazer à tona o grito de uma geração por uma liberdade que os permitisse reformular os valores da sociedade e talvez deixa-los mais de acordo com as mudanças que se apresentavam no horizonte dessa nova estrada. As mulheres queimaram os sutiãs, abraçando para sempre a autoridade sobre seus próprios destinos.
E ainda assim, depois de tudo isso, HOJE, que a informação atravessa o mundo em questão de segundos, o que é que a gente faz? Se agarra nas expectativas dos outros (e o inferno são eles), desce o verbo na gatinha (ou na fofinha) que posta foto no Lingerie Day “porque quer  mostrar que é gostosa pra todo mundo”, sofre do complexo de Cinderela e acredita que existe um príncipe encantando feito sob medida – como se fosse um sapatinho de cristal e não uma pessoa – para gente, e ainda tem a pachorra de criticar quem exerce o direito pessoal e intransferível de se relacionar com quem bem entender, durante o tempo que quiser, sem submeter-se a posse deste (a) ou daquele (a). Nunca fomos tão caretas.
Na boa, galera, Jaques Kerouac se revira no túmulo. 

A matemática do amor (ou seja lá o que você estiver sentindo) e a falência da monogamia.


Imagine que você e seus interesses formem o conjunto A e, portanto, seu conjunto está inserido em um universo, onde existem inúmeros conjuntos. Quando você se relaciona com alguém, seu relacionamento pode ser considerado uma intersecção entre dois conjuntos: você COMPARTILHA com a outra pessoa uma determinada gama de interesses.
Ora, tanto você quanto o outro são donos de outros interesses incomuns, que permanecem fora desta intersecção. Logo, é perfeitamente cabível que você crie intersecções com outros conjuntos – e mantenha, assim, interesse por diversas pessoas ao mesmo tempo. Em termos de amor, isso não implica que você ame mais esta ou aquela pessoa. São relacionamentos inteiramente diferentes e incomparáveis. Até que...
Você prova o sabor do veneno da monogamia: A POSSE.
O problema dos relacionamentos – e não é de hoje! – é que as pessoas ultrapassam os limites da intersecção entre os conjuntos, e invadem a individualidade dos companheiros sem pedir licença, como se aquilo fosse direito adquirido: você transa, bate um papo e divide algumas coisas com a pessoa, então PRONTO!, ELA É SUA e você tem direito ao monopólio do território amoroso. Tem gente que faz ALOCA e quer monopolizar o território inteiro. É aí que se deixa de COMPARTILHAR para DOMINAR. Abre-se mão da INTIMIDADE em prol da CONQUISTA. Bate-se o pé e exige-se FIDELIDADE, quando o que deveríamos construir se chama LEALDADE.
É assim que LAÇOS se transfiguram em NÓS APERTADOS. Na busca pela liberdade de se ter a si mesmo, sem a obrigação de pertencer a outrem, as partes se afastam, pois o peso da co-paixão se torna insuportável a ponto de levar a crer que o diálogo é incapaz de devolver a leveza. Os casais se tornam Tomas e Tereza – como em “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera – ao retornarem à Praga: de frente um para o outro em plena sala de estar que mais parece um deserto morto e coberto por neve.
A monogamia, portanto, é ponto de partida para o pior tipo de Solidão: Aquela que se instala entre duas pessoas, que se faz sentir ainda que fisicamente acompanhado, que torna perceptível o abismo entre duas almas, que torna a intersecção entre o seu conjunto e o do outro algo insignificante e nonsense.
No último ano, presenciei as torturas de um relacionamento em frangalhos, em que as partes negam a própria individualidade em prol de uma relação de interdependência. No papel de amante, tão achincalhado pela sociedade, pude perceber o quão mais cômodo era para o cara abraçar uma traição que já durava a metade do tempo do namoro com a garota do que procurar a devolução do EU através do diálogo. A o diálogo deixa de ser alternativa em função do medo de deteriorar o NÓS.
Estar no papel de “Outra” refrescou minha perspectiva do mundo, das pessoas e da Solidão. Mais do que nunca, passei a acreditar que apenas quando abraçamos a viajem de nós a nós mesmos – como já escreveu Drummond – é que se torna possível um relacionamento saudável. É só nestas circunstâncias é que nos tornamos capazes de decidir qual é a definição mais apropriada de amor, paixão, e relacionamento pra nós mesmos.
O maior erro que nós seres humanos cometemos, é, com tanta liberdade e informação em nosso poder, nos prendermos a convenções sociais, morais ou religiosas que não necessariamente vão de encontro com a nossa essência. O romantismo pode ter sido construído em cima do conceito CONTRATUAL que alicerça a idéia de monogamia, mas nós temos o direito de acreditar que não são necessários contratos para AMAR A UMA OU MAIS PESSOAS. Regulamentar o amor, a paixão e o romance, foi definitivamente o maior erro da humanidade. É tão sem sentido que parece piada.
Enquanto sairmos pela noite buscando “o que tem pra hoje”, ficarmos com “o que tem pra hoje”, namorarmos “o que tem pra hoje” e PELO AMOR DE DAS NOSSAS RESPECTIVAS PROGENITORAS!!, nos CASARMOS “com o que tem pra hoje”, apenas para enganar temporariamente a Solidão, mais a Menina Má se infiltrará em nossas vidas e nos surpreenderá com suas travessuras.
Aproveitemos todas as possibilidades, as delícias e as dores de sermos nós mesmos, de acordo com o que nos convém.
FAÇAMOS O QUE QUISERMOS, POIS É TUDO DA LEI. 


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