Deixa ver.
Universitária recém-formada se
apaixona por empresário bem sucedido e bonitão. NOSSA QUE SURREAL, NÃO É?! Acontece
todos os dias com meio mundo por aí. Afinal de contas o poder atrai (e eu podia
citar vários filósofos pra corroborar isto), homem de terno é a coisa mais elegante
do mundo, e que atire a primeira pedra a garota que nunca teve um fraco por um
superior qualquer da firma. Oi? É, não vejo ninguém.
O cara, além de bonitão é
inteligente, bem sucedido, gosta de arte e tem gosto refinadíssimo para tudo.
BAAAAM! Nós mulheres queremos mesmo um cara que não consegue atingir UMA meta
na vida, que passa o dia no sofá assistindo Two and A Half Man e se veste que
nem um jacu. AHAM. SENTEM LÁ, FEMINISTAS.
A menina é virgem aos 21 anos. MEU
DEUS QUE ABSUUUURDO SEM FIM, NÃO É!? Bonita, inteligente, recém-formada e
VIRGEM? Isso é um disparate social, não existe! Olha, eu não sei em que mundo
vocês vivem, mas aqui no meu mundo, a.k.a Planeta Terra, Brasil, São Paulo, eu
conheço pelo menos TRÊS meninas na mesma situação: bonitas, inteligentes,
espertas, recém formadas e VIRGENS. Perfeitamente factível, portanto.
O cara é meio misterioso e
introspectivo, deve ter tido um passado difícil, mas mesmo assim tem uma
personalidade e um modus operandi atraente. OUTRO ABSURDO, PORQUE HOMEM BEM
RESOLVIDO É O QUE A GENTE MAIS ENCONTRA NA RUA, NÉ, TÁ CHEIO!!! Só que não.
Então recaptulando rapidinho:
recém-formada, virgem – provavelmente por fazer um huge deal em torno do tão
debatido hímen, o que é recorrente mesmo no séc. XXI – vai entrevistar boy
magia bem sucedido de terno e gravata e se interessa pelo papo e pelo jeitão não-deixe-sua-filha-perto-de-mim-porque-eu-sou-foda.
NOSSA QUE COISA MAIS SEM PÉ NEM CABEÇA, NÃO É?
Não é clichê porque é SURREAL, é clichê PORQUE
ACONTECE TODOS OS DIAS!
Aí o cidadão é adepto da
comunidade BDSM e se identifica com o papel de Dominant. Quando ele te conta isso você acha tudo supernatural,
certo? É, não. Quando um antigo parceiro me contou que sua primeira memória
sexual continha “uma moça nua pendurada por uns cabos, de ponta-cabeça em um
galpão”, a minha primeira reação foi levantar da cama, vestir a calcinha e
iniciar uma enxurrada de perguntas.
Depois deste início, o que vem a
seguir é a descrição de um início de relacionamento inserido no contexto BDSM,
que pouquíssima gente conhece, em que o Dominant é “velho de guerra” e a
candidata a Sub é completamente leiga. Logo, é a história de um casal tentando
adaptar o relacionamento a uma forma diferente de viver a sexualidade – o BDSM –
de acordo com a realidade e os limites de cada um.
Não consigo enxergar onde é que
está o elemento machista e abusivo do livro. Se Anastacia fosse uma Dominatrix
ao invés de submissa, o livro seria considerado feminista? Oi?
E outra coisa, relação
abusiva não tem porra nenhuma NADA a ver com BDSM! Relação abusiva é
aquela em que uma Parte denigre a outra (física ou psicologicamente) com a
finalidade de obter controle sobre o outro através do MEDO. Em uma relação
abusiva não há consenso!!! O alvo do abuso apenas “compactua” silenciosamente
porque há uma fusão emocional dos conceitos de medo e amor. Pessoas que se
encontram neste tipo de relação precisam de ajuda de um terapeuta e do apoio da
família para egressar de um ciclo vicioso e este é um processo de desenvolvimento
pessoal lento e doloroso. Portanto, dizer que BDSM é abusivo é PRECONCEITO e
falta de informação.
O que há ali é uma relação D/S,
cuja a proposta é que haja uma troca erótica de poder que pode ou não envolver
dor, submissão e jogos psicológicos. Sim, são condutas que fora do contexto
erótico podem ser consideradas desagradáveis, mas no contexto BDSM, elas só
ocorrem caso haja consentimento mútuo entre as Partes – e quem leu o livro ou
qualquer resenha que esteja rolando aí pela blogosfera, sabe que há a discussão
de um contrato não judicial, mas um acordo entre Anastacia e Mr. Grey, que só
será assinado quando os limites ne expectativas de cada um são discutidos a
exaustão. O intuito deste tipo de relação é que o prazer de ambos seja
garantido. Então, não, BDSM NÃO É
ABUSIVO. Aliás, a comunidade BDSM se apoia sobre a ideia de que todas as práticas
devem ser SÃS, SEGURAS E CONSENSUAIS. No caso dos personagens, a relação D/S se
dá num contexto 24/7, e é por isso que Mr. Grey define o que Anastacia veste ou
come, a que horas ela dorme e quando se exercita.É importante frisar que, apesar
de nem todas as relações D/S envolverem sentimentos, alguns casais que passam a
se relacionar neste contexto desenvolvem laços muitíssimo fortes de respeito e
confiança.
Ah, mas porque do sucesso e da
montanha de críticas?
Porque o referencial de
relacionamento amoroso adotado pela sociedade, historicamente, é a Monogamia. E
a relação D/S que Anastacia mantém com o Mr. Grey é monogâmico em todos os seus
céus e infernos. A monogamia, o Complexo de Cinderela e todo o bla bla bla que
envolve a ideia de romance (e o contrato social embutido nesta ideia) formam o
referencial da sociedade. PORTANTO, A MONOGAMIA VENDE, PESSOAL. Não importa se você rompeu com este modelo e
ele não faz mais parte da sua vida. Não importa se você acredita que a
monogamia só é bem sucedida dentro de um contexto específico. Não importa se
você acredita piamente no modelo monogâmico. A MONOGAMIA VENDE, e se isso te
deixa fulo da vida é problema seu.
Em tempos em que são
incessantemente discutidos conceitos como o de Emancipação Masculina, a Desconstrução
do Gênero, a 2ª Revolução Sexual, e o Neo Feminismo, é lamentável que haja uma
interpretação tão pobre, desinformada e preconceituosa de um livro que não é
nenhuma obra de arte literária, mas que expressa, sim, o espírito de um tempo.
Um tempo em que as pessoas buscam
dentro do que lhes convém e de acordo com suas respectivas bagagens, novas
formas de se relacionar – principalmente se incluir a possibilidade de não
negar o referencial monogâmico – de compreender e expressar a própria
sexualidade. Um tempo em que as mulheres enfrentam o desafio de conviver com a
emancipação tardia do sexo oposto, um tempo que o gênero masculino entra em
processo de revisão. Para entender Fifty Shades of Grey e não dizer barbaridades
por aí, é preciso compreender o mundo em que se vive, é preciso respeitar e
aceitar a diversidade e mais do que tudo é preciso ser capaz de se despir do
preconceito e do extremismo, seja lá qual for a tua visão de mundo.
A polêmica é legal. Mas a
polêmica por si só é enfadonha e burra.
PS: Se o livro te deixou
interessada (o), leia bastante a respeito do assunto, entenda que tudo é
completamente adaptável e tenha em mente que quando mais desejo, respeito e
confiança houver entre o casal, mais prazerosos serão as práticas de qualquer
conduta ou a realização de qualquer fetiche.