terça-feira, 10 de julho de 2012

Afinal, moda pra quê? - Parte 2


No post anterior, falei da dualidade dos sentimentos do mundo em relação à moda, do seu caráter democrático velado por diversos mitos e preconceitos. Expliquei as mudanças que a moda sofreu no pós-guerra e chegamos à formação da sociedade de consumo. Nesta segunda parte, pretendo discutir a evolução do cosumo e da moda, da década de 70 até o final dos anos 80, com a consolidação das grifes enquanto código de riqueza, preparando o caminho que levará a uma resposta para a pergunta inicial deste post: Afinal, pessoal, moda pra quê?

Na década de 70, a moda tornou-se ainda mais diversificada, dividindo-se em duas amplas frentes: roupas clássicas e fáceis de usar e trajes de fantasia. Para o vestuário feminino, há neste período uma quebra da silhueta rígida e triangular da minissaia, substituída pelas linhas longas e esbeltas dos comprimentos midi e máxi, além da crescente dependência que a mulher criava em relação às calças. Paralelamente, a preocupação dos homens com o estilo aumentava.

Neste período, Nova York e Milão, fortificavam sua presença – construída ao longo da década anterior – no cenário mundial da moda, apesar da forte crise econômica gerada pelo aumento de 70% nopreço do petróleo em 1973, o que obrigou a indústria o ritmo. A Guerra do Vietnã chegava a seu fim, mas a violência continuava presente nos conflitos relacionados aos distúrbios raciais e protestos estudantis nos Estados Unidos e em toda a Europa. O movimento feminista tendia a ser antimoda, mas textos a favor da Libertação Feminina, como "Sexual Politics", de Kate Millet, tiveram a influência formadora sobre muitas jovens com consciência de moda e consciência social: o visual “menininha” foi substituído por um estilo mais “adulto”. À medida que a sociedade se tornava progressivamente multicultural, os estilistas também voltavam suas fontes de inspiração para conceitos de vestuário não ocidentais. Com a introdução dos Jumbos no mercado da aviação, as passagens se tornaram mais baratas e as distâncias foram diminuídas, aproximando o mundo e suas exoticidades.


Neste climão de VALE TUDO, os estilistas encontraram inspiração nos acontecimentos mais soturnos. Paralelamente, houve também uma busca (como é comum em tempos de crise) pelo vintage  das décadas de 30 e 40. Num panorama geral, a moda havia se consolidado  como uma questão de escolha pessoal, e não mais um acumulado de ditames.

A década de 80, para muita gente, caracterizou-se como um contraponto direto ao declínio econômico, distúrbios políticos e fragmentação social. Os anos 80 foram prósperos, pelo menos até meados de 1987, com a quebra do mercado de ações.

Estes dois climas muito diferentes viram a ascensão de modas igualmente distintas. O início foi marcado por certo conservadorismo, um “quê” de nostalgia, em que tudo que pertencia ao passado ou considerado “tradicional” era desejável. As decepções com o presente e a desconfiança em relação às inovações tecnológicas se refletiram em muitas coleções, que ofereciam peças que iam do clássico ao retrô: a moda podia ser considerada “segura”.

Num segundo momento, os aspectos mais negativos do período estimularam o desenvolvimento de culturas mais radicais, entre elas o PUNK, nascido em Londres, como uma manifestação de alguns grupos de jovens desempregados e estudantes – principalmente das escolas de arte da capital, reunidos em torno da famosa butique de Vivienne Westwood (sim, aquela que tem uma co-le-ção de colaborações com a Melissa, lembra?) e Malcom McLaren, na King’s Road.


A identidade punk foi formada pela estilização dos próprios punks, os modelos de Westwood e McLaren e a formação dos Sex Pistols (se você não ouviu, OUÇA!, pelo amor de Deus!). Desenvolvimentos similares se formaram na mesma época, tanto nos clubes de Nova York como na cena musical americana, entre cantores como Iggy Pop e Lou Reed. Gradualmente o movimento punk se alastrou para toda a Europa, Estados Unidos e Extremo Oriente, principalmente o Japão.

Outro aspecto importante da década de 80, o deslocamento para uma moda mais cara e ostensiva, que refletia uma época mais obsecada pelo dinheiro e com maior consciência de imagem, fez com que se tornasse chic assinalar a própria riqueza usando roupas e acessórios de grife. Assim, as grifes proliferaram. As bolsas da Louis Vuitton, as fivelas e botões grandes de Moschino e as bolsas Chanel tornaram-se acessórios tem-que-ter. Esta importância perdura até os dias de hoje, principalmente entre os jovens de classe média, como trampolim para a construção de alguma identidade, em meio a um período tão turbulento e carregado de incertezas.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

AFINAL, MODA PRA QUÊ? - Parte 1



Resolvi escrever este texto pra todo mundo que gosta de moda buscar uma profundidade que vá além do “Look do Dia” – ainda que este tenha abalado as placas tectônicas da moda mundial, como bem colocou Mônica Salgado, editora da Glamour BR – e consiga refletir a respeito desta dualidade absurda que está liga à moda. É também (e principalmente) pra VOCÊ não gosta de moda, acha que não se identifica com ela, ou pensa que é assunto pra gente fútil e desprovida de neurônios que gosta de viver de aparências. É um incentivozinho, pra você enxergar o outro lado, em que a moda é arte, é meio de comunicação instantâneo, cartão de visitas e assim, de leve, o segundo setor que mais emprega no Brasil.

Este post terá três partes, e faz parte de uma tentativa desta blogueira que vos fala, de FAZER DIFERENTE, mas de um jeito SIMPLES e FÁCIL de ler.

Afinal, moda, pra quê?

Tá aí uma pergunta para a qual a reposta - independente do nível de elaboração - custa a convencer quase todo mundo que não é apaixonado por moda.

E por mais que a gente torça no nariz, é compreensível. Se outrora a moda era artifício inerente às habilidades de uma moça prendada (capaz de pintar e bordar, entre outras artimanhas), ou às grandes “Maisons” praticantes da alta costura, hoje ela se esconde por trás do consumo, do boom da indústria, do glamour exagerado conferido por T-O-D-A-S as mídias e principalmente pela vaidade que impulsiona o desejo (leia mais nessa entrevista babado do Flávio Gikovate pra Oficina de Estilo). E foi assim que a moda ganhou esse ar de mistério, se cercou de mitos, tornando-se um conceito que para muita gente é intangível e carregado de preconceito.  É muita gente entendida DE moda, e pouquíssima gente entendendo A moda.

A escritora Valerie Mendes - autora do livro “A Moda do Século XX” -  explica em seu prefácio que “(...) a obsolescência da moda, pela qual as roupas são descartadas antes pelo desejo de novidade estilística do que por razões utilitárias, gera reação apaixonada tanto dos consumidores quanto dos teóricos” fizeram com que a moda fosse ridicularizada, tratada como um fenômeno estético meramente frívolo –“ como está sempre mudando, não pode ter nenhum valor duradouro”.

Na contramão do descarte, a autora conta que a partir de 1900, “a moda passou a chamar a atenção de um leque cada vez maior de acadêmicos, fascinados pela sua significação multidisciplinar e interdisciplinar”. Ou seja, parte da academia passou a achar a Moda não tão frívola e sem valor.
Seus olhos então se abriram para o fato de que a moda é a expressão artística mais POPULAR  e DEMOCRÁTICA de todas, dado que todas as pessoas, sem distinção alguma e a qualquer tempo tem a NECESSIDADE de se vestir  (ninguém quer sair mostrando suas “vergonhas” por aí, não é?) e se adornar (o ser humano tem obsessão pelo conceito de BELO, então já que vai vestido que seja bonitinho, ué).



Essa tal DEMOCRACIA que a moda proporciona leva todo mundo a participar do seu processo de desenvolvimento, experimentando seus prazeres e suas dores – super conectados ao poder de compra, ao desejo de consumo, às mudanças e movimentações sócio econômicas, políticas, culturais, formação de identidade – individual ou grupal – entre outros diversos aspectos.

Esta percepção só ficou bem clara, após o encerramento da Segunda Guerra Mundial, quando a sociedade passou a se preocupar muito mais com a aparência: dá até pra dizer que esta preocupação era resultado de uma mudança de foco, já que os dias tristes de batalha, medo, insegurança e miséria haviam chegado a um fim. O foco agora era a recuperação político-econômica dos países envolvidos no conflito, das cidades destruídas, de levantar e seguir em frente. Tudo isso traduziu-se em uma necessidade de amplitude – a gente pode inclusive inserir o new look da Dior aqui, né? Quer coisa mais ampla do que aqueles saiões? –  impulsionada pela cobertura cada vez maior da imprensa, a era de ouro do cinema e o surgimento, dentro das maisons e dos museus, de um interesse por documentar a moda, como nunca antes havia acontecido.

Mas foi no período compreendido entre o final da década de 50 até a década de 70, que ocorreu o que eu gosto de chamar a Grande Revolução Fashionista. Em 1957, a Europa já se recuperava bem, com a ajuda do Plano Marshall, das carências e privações do pós guerra. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, “as estatísticas registravam um mercado adolescente em crescimento, com grande rendimento disponível.” O surgimento deste público trouxe a juventude para o primeiro plano, afinal os jovens não apenas representavam uma nova fatia consumidora da população, mas passaram a ser o protagonistas de uma verdadeira revolução, iniciada com o Maio de 68, na França, passando pelos avanços do Movimento Pacifista nos Estados Unidos, a Ofensiva de Tet – responsável pelo fim da Guerra do Vietnã – e chegando à Batalha da Maria Antônia, como ficou conhecido o conflito entre estudantes da USP e do Mackenzie, em tempos de Ditadura.


A prosperidade e o ritmo frenético de mudanças, teve um impacto dramático sobre a produção e a comercialização de moda. Os jovens se dividiam em grupos, e a moda acompanhava estes passos. Havia, pela primeira vez, surgido o conceito de estilo, advindo de uma formação de identidade de grupo muito forte. Tanta agitação e novidade, fizeram com que o romantismo e o sentimento de amplitude da década de 50 dessem lugar aos tubinhos, ao grafismo, às estampas alegres e floridas e às minissaias de Mary Quant. Aliás, a capital mundial da moda se deslocou temporariamente de Paris para Londres, onde jovens estilistas faziam moda “para o jovem médio da rua e não para poucos indivíduos selecionados e ricos”. A alta costura entrou em declínio, e para não sucumbir, as grandes Casas começaram a expandir suas operações de “ready to wear” além de partir para as opções lucrativas de perfumes e maquiagens.

Neste momento, a moda presenciou o nascimento da era do descartável e do consumismo.

(continua!)